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Protocolo lançado pela Justiça do Trabalho busca combater o trabalho escravo contemporâneo

Documento propõe um olhar atento às especificidades culturais, sociais e econômicas que influenciam as condições de exploração dos trabalhadores

Em agosto, a Justiça do Trabalho lançou três protocolos de julgamento que orientam a magistratura para casos que exijam um olhar mais atento às especificidades de grupos historicamente vulneráveis ou estigmatizados. Nas matérias anteriores, apresentamos os principais pontos dos protocolos que contemplam questões de gênero, sexualidade, raça, etnia, deficiência e idade e do, que trata do julgamento com perspectiva da infância e da adolescência. Neste texto, iremos mostrar os principais pontos do protocolo que trata da Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo.

Desenvolvido sob a coordenação do ministro Augusto César Leite de Carvalho, do Tribunal Superior do Trabalho, o documento visa assegurar que os casos de trabalho análogo à escravidão sejam tratados com a gravidade que merecem, levando em conta as condições culturais, sociais e econômicas que influenciam a exploração de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Dignidade dos trabalhadores
Embora a escravidão legal tenha sido abolida no Brasil em 1888, as marcas desse período ainda são visíveis, especialmente nas relações de trabalho. Práticas abusivas e degradantes, que negam a dignidade e a liberdade das pessoas, continuam a existir, muitas vezes camufladas sob formas modernas de exploração. É nesse contexto que o protocolo se torna uma ferramenta crucial para enfrentar e superar essas violações.

O documento destaca a importância de reconhecer a dignidade humana como um bem jurídico a ser protegido, indo além da mera liberdade de locomoção. Ele considera que a dignidade deve ser preservada em todas as suas dimensões, incluindo a saúde, a segurança e o bem-estar geral. Com ele, espera-se que a Justiça possa atuar de forma mais eficaz na erradicação dessas práticas inaceitáveis.

É fundamental considerar as vulnerabilidades
Ao se deparar com um caso de trabalho análogo à escravidão, o magistrado ou a magistrada devem, primeiro, identificar se alguma das partes está em situação de vulnerabilidade que possa tornar o processo desconfortável ou prejudicial. Isso inclui avaliar o acesso à internet em audiências virtuais, a compreensão das discussões e a clareza das perguntas feitas nas audiências.

O contexto do caso também deve ser analisado. Quando há relatos de trabalho forçado, jornadas exaustivas, condições degradantes ou servidão por dívida, é essencial verificar se há fatores adicionais de vulnerabilidade, como migração, trabalho infantil ou falta de alfabetização. Também se deve ver se a pessoa já foi atendida por outros órgãos públicos e se é possível solicitar informações adicionais.

Garantia de proteção às vítimas
Durante o julgamento, o magistrado ou a magistrada devem exercitar a empatia e a sensibilidade, observando o possível desconforto das vítima e, se julgar necessário, separando-a do agressor em salas diferentes para colher os depoimentos. É necessário garantir que as vítimas entendam seus direitos e saibam que a violência que sofreram jamais pode ser justificada ou atribuída a elas próprias.

Ao colher os depoimentos, é importante evitar estereótipos ou perguntas que possam revitimizar as vítimas. Pessoas submetidas a trabalho escravo podem ter dificuldade de apresentar provas, por medo de represálias ou por falta de recursos. Portanto, é fundamental garantir sua proteção e oferecer um ambiente acolhedor, para que relatem suas histórias com segurança.

Por fim, antes de encerrar o processo, deve-se avaliar se todas as provas foram analisadas adequadamente, considerando o contexto de vulnerabilidade das partes envolvidas.

O protocolo também explora os diferentes tipos de trabalho escravo contemporâneo, como o rural, o urbano (doméstico, na indústria da moda, em bares e restaurantes), em embarcações e com migrantes.

Processo de criação participativo
Na criação do protocolo, foram realizadas diversas reuniões com grupos focais, compostos por representantes de entidades de todas as regiões do Brasil, e também uma pesquisa direcionada a juízes e juízas da Justiça do Trabalho. Participaram desse processo entidades como o Centro de Defesa da Vida e Direitos Humanos Carmem Bascaran (MA), a ONG Repórter Brasil, a Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais no Rio Grande do Sul (Fetarrs), a Caritas (RJ), a Comissão Pastoral da Terra, a Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia (Só Direitos-PA), a Articulação dos Empregados Rurais de Minas Gerais (Adere-MG) e a Refúgio 343. Cada uma trouxe importantes contribuições sobre a realidade do trabalho escravo em suas regiões.

Representantes das Clínicas de Trabalho Escravo das Universidades Federais do Pará e de Minas Gerais e integrantes do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego ajudaram a aprofundar as discussões.

A pesquisa contou com a participação de 139 juízes e juízas, que responderam a um questionário e trouxeram sugestões e críticas que enriqueceram a elaboração do documento.